Toda semana aparece alguém com o celular na mão me dizendo: “Professor, ontem bati 1.800 calorias. Tá bom?”
E é sempre o mesmo olhar — de quem acredita que o corpo é uma conta de padaria.
Mas o corpo não faz contas, ele interpreta contexto. Ele reage a sono ruim, treino mal planejado, estresse, hormônio e até ao que você sente quando come.
A ideia de que o número sozinho é o que define o resultado é bonita… no papel. Na vida real, ela desmorona em duas semanas de fadiga e compulsão.
Eu entendo o fascínio pelos números. Eles dão sensação de controle.
Mas controle não é resultado — e resultado não vem de cálculo, vem de entendimento fisiológico.
Contar calorias pode ser útil, sim. Mas só pra quem sabe o que está contando.
A contagem como ferramenta — não como prisão
Quando um aluno começa a se alimentar melhor, a contagem serve pra abrir os olhos.
Ela mostra, por exemplo, que o “lanche rápido” do meio da tarde tem 600 calorias, enquanto o almoço inteiro tem 500.
Serve pra ele perceber que passa 6 horas sem comer e depois destrói a geladeira às 22h.
Ou seja: a contagem ensina a ver o óbvio que o hábito escondeu.
Mas o problema começa quando ela vira obsessão.
A pessoa passa o dia tentando “encaixar” comida no aplicativo, e o prazer de comer vai embora.
O corpo perde o ritmo, o sono piora, o cortisol sobe — e o que deveria ser autocontrole vira guerra contra o próprio metabolismo.
É aí que a ciência explica o que o corpo já grita: o estresse crônico da restrição reduz o gasto energético, mesmo comendo menos.
Caloria não é tudo — e nunca foi
Você pode comer 2.000 calorias de comida de verdade e se sentir disposto, saciado, dormindo bem.
Ou comer as mesmas 2.000 de ultraprocessados e acordar moído, inflamado e com fome de novo em duas horas.
A diferença está na resposta hormonal e na densidade nutricional, não no número.
A insulina, a leptina, o GH, o cortisol — todos conversam entre si o tempo todo.
Quando você come só olhando a caloria, ignora a conversa.
E o corpo começa a responder com resistência, não com resultado.
Por isso eu sempre digo: a caloria é um dado, não uma verdade.
O olhar de quem vive o chão da academia
Na prática, dá pra ver quem entendeu o próprio corpo.
É aquele aluno que come bem, treina bem, e não precisa de aplicativo pra saber se tá indo no caminho certo.
Ele sente. Ele percebe o corpo reagindo.
O outro, o do número, é o que vive cansado, irritado, culpado.
Come 1.400 kcal e acha que tá “mandando bem”, mas o corpo tá segurando tudo porque o metabolismo entrou em modo de defesa.
O déficit calórico exagerado não ensina o corpo a queimar — ensina o corpo a economizar.
E é aí que entra o papel do professor de Educação Física: traduzir ciência em prática coerente.
Não é proibir o aluno de contar, é ensinar a pensar além do número.
Mostrar que o corpo não é uma planilha — é um sistema que precisa de estímulo, sono, hidratação, combustível e descanso.
O uso inteligente
Quer usar a contagem? Use como mapa, não como algema.
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Registra por uma ou duas semanas pra entender onde estão os exageros e as falhas.
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Depois, solta o aplicativo e passa a observar: como você dorme, como acorda, como treina, como sente fome.
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Ajusta a alimentação pela resposta, não pela culpa.
E se quiser falar em número, que seja de consistência.
Contar quantas vezes você manteve uma rotina de treino coerente, quantas noites dormiu bem, quantas refeições fez sem celular na mão.
Essas são as calorias que realmente constroem resultado.
Pra fechar
O corpo não lê números, lê hábitos.
Ele entende ritmo, entende rotina, entende coerência.
A contagem pode ser um ótimo começo — mas quem amadurece no processo aprende a deixar o contador de lado e confiar na própria leitura corporal.
No fim, o verdadeiro controle não está no aplicativo.
Está na capacidade de comer com consciência, treinar com propósito e viver com equilíbrio.
Algumas dicas:
[GRÁTIS] Guia Fisiologia do Exercício Aplicada
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